terça-feira, 17 junho, 2025
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Por Prof. Xico*

A principal novidade do PED25 no Maranhão não está nas chapas que surgem ou nas candidaturas que se multiplicam. Está, paradoxalmente, no colapso de uma estrutura que se dizia majoritária. A “sagrada aliança” — formada por Articulação (CNB), Resistência Socialista e Movimento PT —, que nos últimos anos conduziu os destinos do Partido dos Trabalhadores no estado, entrou em crise. Uma crise que não é apenas conjuntural, mas estrutural: resultado de alianças instáveis, métodos personalistas e da ausência de uma visão estratégica e um horizonte comum.

Não se trata aqui de uma mera disputa entre grupos ideológicos. O que se desenha é um quadro de desagregação da hegemonia, no sentido gramsciano do termo. Ou seja, a incapacidade de um bloco dirigente de construir consensos ativos e duradouros, ancorados em um projeto estratégico que fale à militância, à classe trabalhadora e aos movimentos sociais. Quando a hegemonia se esvai, resta a dominação tática, sustentada por acordos de ocasião e lealdades reversíveis, fluidas.

A política como arte de compor o instável

Maquiavel, que conhecia como poucos as artimanhas do poder, advertia que a estabilidade política não é um dom, mas uma construção laboriosa, feita de virtù (habilidades) e fortuna (circunstância). Ambas parecem ausentes nos movimentos recentes do campo majoritário.

Desde o PED de 2019, o partido já dava sinais de fadiga estrutural. A vitória de Augusto Lobato — apoiado por uma ampla frente de correntes — foi seguida por uma impugnação por parte da Articulação e da Resistência, sob a alegação de fraude. O Encontro Estadual foi anulado e, no lugar de um desfecho político legítimo, impôs-se um acordo salomônico: divisão de mandato entre primeiro e terceiro colocados, com bônus para o último. Um pacto tão obscuro quanto frágil, que já indicava a erosão da confiança entre os grupos.

A lição de Maquiavel se impõe aqui com clareza: alianças sem direção se transformam em armadilhas. E o que deveria ser um bloco político passou a funcionar como balcão de partilhas, onde a lógica distributiva substituiu o sentido estratégico.

O império da racionalidade instrumental

Max Weber identificou dois tipos de racionalidade política: a racionalidade com base em valores e a racionalidade com base em resultados. O que se viu no arranjo que seguiu a vitória de Brandão e Camarão foi uma deriva completa em direção à racionalidade instrumental. De um ponto de vista ético e estratégico, cabe a um partido como o PT combinar em um único movimento as duas formas de racionalidade.

A composição de uma nova maioria entre Articulação, Resistência e Movimento PT — com vistas à ocupação de cargos no governo estadual — ignorou os debates programáticos, abandonou a mediação com a base e operou unicamente sob a lógica do “quem leva o quê”. Em nome da governabilidade, abandonou-se o processo democrático interno. E, assim, deixa de ser movimento para ser máquina, aparelho.

A nova dança das cadeiras

No PED25, os zigue-zagues se intensificaram. A Resistência Socialista — que antes se aliara à Articulação — agora se juntou à fração da CNB ligada ao gabinete de Zé Inácio e ao Socialismo em Construção. Com isso, passou a dominar a Executiva Estadual. Mas o silêncio da nova maioria diante das críticas internas e da linha política vacilante do partido em relação ao projeto do PT disputar o governo do Estado com Felipe Camarão revelou que a mudança era apenas de forma, não de substância.

Esse realinhamento não produziu nova estratégia nem novo programa. Apenas reconfigurou o mesmo jogo, agora com peças trocadas. Não houve inflexão política, mas apenas reacomodação de interesses. E como disse Gramsci, quando o velho morre e o novo ainda não nasceu, surgem os monstros.

A cassação e o aniquilamento como síntese da crise

A crise atingiu um novo patamar quando a Executiva decidiu cassar a candidatura de Francimar Melo (Articulação Petista), atendendo a recurso de Genilson Alves (Resistência Socialista), que alegava abuso de poder econômico. A resposta de Washington, líder da Articulação, foi uma ameaça pública de desmantelar os “grupelhos raivosos”.

Aqui, a política se transformou em guerra de facções. E a disputa eleitoral interna, em expediente judicial. Em vez de convencimento, vieram as cassações; em vez de unidade estratégica, o fracionamento beligerante.

Fragmentação sem síntese

O quadro atual do PED25 é de fragmentação extrema. São dez chapas, cinco candidatos a presidente e apoios cruzados, com grupos disputando a mesma base social. É uma multiplicação que não resulta em vitalidade, mas em paralisia.

Não há hegemonia, há dispersão. Não há projeto de maioria, há soma de minorias voláteis. E, nesse cenário, o que se perde é a capacidade de construir um campo político consequente, voltado à militância e enraizado nos interesses populares.

Para onde ir?

A crise que hoje atravessa o PT no Maranhão não será resolvida com manobras, recursos ou composições de última hora. Ela exige uma inflexão política profunda. E isso que eu e outros companheiros e companheiras defendemos neste PED.

É hora de refundar um novo campo majoritário — não no sentido de uma maioria circunstancial, mas de uma maioria ética, política e programática. Um campo que: (1) supere a lógica faccional, substituindo o jogo de intrigas por um projeto de partido; (2) retome a hegemonia com base na escuta das bases, nas agendas populares e na formação política; (3) articule convicção ideológica e responsabilidade política, sem cair nem no voluntarismo moralista nem no pragmatismo cínico; (4) requalifique o debate interno, restaurando o partido como espaço de elaboração coletiva e disputa estratégica.

A tarefa do PED25 não é apenas escolher quem ocupa a presidência estadual do PT. É decidir se o partido continuará a girar em zigue-zague, refém de alianças sem conteúdo e pactos sem transparência — ou se será capaz de reencontrar seu papel histórico: ser instrumento de transformação e encantamento, e não de acomodação.

Como dizia Gramsci, “a crise consiste justamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer.” Que o PT do Maranhão não se conforme em administrar os restos do velho. Que tenha coragem de parir o novo.

Prof. Xico é cofundador do PT, ex-presidente estadual e professor universitário.

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